Após retornar de Israel, Ricardo Botelho, presidente da Energisa fala sobre desafios, inovação e a figura do empreendedor

Liane Gotlib Zaidler
Especial para a Câmara Brasil-Israel

Ricardo_Botelho (4)Conte-me brevemente sua trajetória profissional?

Sou engenheiro eletrônico, formado pela PUC-Rio, com especialização na Arizona State University e formação executiva (PPL) pela Harvard Business School. Após me graduar, fui para os EUA, onde me especializei e trabalhei na indústria de componentes de microeletrônica (microprocessadores e chips para indústria de telecomunicações). Com a experiência adquirida, retornei ao Brasil no final dos anos 80 e fui dirigir a área técnica e industrial de uma empresa que fabricava componentes para as indústrias de informática, automobilística e telecomunicações. Depois de me dedicar por dez anos a este segmento, recebi um convite para trabalhar em uma indústria têxtil — e este foi talvez o desafio mais complexo já vivi. Com muitas fábricas e um parque fabril obsoleto, fizemos uma reestruturação e um forte ajuste do negócio. Ao final, realizamos a venda da companhia.

Deste ponto em diante, iniciei minha trajetória no setor elétrico, como responsável pelo desenvolvimento de novos negócios na Cia Força e Luz Cataguases-Leopoldina, hoje Energisa. Participei de um intenso período de aquisições no âmbito do processo de privatização de distribuidoras durante o governo FHC, e a companhia expandiu suas fronteiras para o Nordeste. Assumi as funções de Vice-Presidente de Operações em 2001, logo após o último processo de privatização. O trabalho de turnaround nas empresas privatizadas foi intenso nos anos seguintes, ao mesmo tempo em que desenvolvemos um diversificado parque de geração com a construção de todo tipo de usinas: central à gás natural, pequenas centrais hidrelétricas, parques eólicos e cogeração de biomassa de cana-de-açúcar.

Nosso grupo adquiriu muita competência no desenvolvimento de portfolio de geração a partir do zero, incluindo desenvolvimento do projeto básico, licenciamento, contratação da energia, estruturação financeira, construção e operação.  Aproveitando as oportunidades que apareceram, alienamos todo o portfólio após a colocação das usinas em operação comercial. Como resultado, hoje, estamos mais focados no segmento de distribuição de energia e, mais recentemente, na expansão dos negócios de transmissão de energia. Assumi a presidência da empresa em 2010, e, com a aquisição do Grupo Rede, em 2014, a empresa passou a ser a 6ª maior do setor de distribuição do país, um crescimento de 30 vezes desde que me juntei à empresa em 1997.

Como é a presença da Energisa hoje no país?

A Energisa é uma das mais antigas empresas em operação no país sob o mesmo controlador. Nossa fundação foi há 113 anos, e a companhia foi uma das primeiras de capital aberto do Brasil. Operamos nove empresas de distribuição em uma vasta área do território nacional — cerca de 20% da extensão do país — e servimos a 6,7 milhões de consumidores – o que representa uma população de mais 16 milhões de pessoas -, em áreas que crescem muito, como nas concessões que operamos no Centro-Oeste e Norte. Mas estamos também na região Sudeste (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e no Nordeste (Sergipe e Paraíba). O grupo tem atuação também no segmento de transmissão, comercialização de energia e serviços especializados de operação e manutenção de ativos elétricos para terceiros.

Qual o maior desafio que enfrenta como presidente da Energisa?

Atuamos em um setor que tem uma enorme importância para o país. Estamos diariamente na vida de milhões de pessoas em diversos estados do país, assegurando uma oferta de serviços essenciais. Nosso ramo é extremamente regulado, e atendemos a muitas exigências do poder concedente, ao mesmo tempo em que precisamos equilibrar a modicidade tarifária – melhor tarifa para o consumidor – com a qualidade e satisfação dos clientes, por meio da melhor oferta de serviços. Para isso, realizamos vultosos investimentos em modernização e expansão de nossa rede e ativos: nos últimos dois anos, foram investidos R$ 3,6 bilhões. É preciso ter vocação para atuar neste setor, em que o compromisso é integral e 24 horas por dia.

Qual a importância da inovação para o setor de energia? Existe algum programa de inovação dentro da empresa?

A inovação está entre nossos seis valores essenciais e a praticamos desde o início de nossa trajetória. Estimulamos a criatividade que gera valor, seja para produzir algo completamente novo ou para trazer uma possibilidade de melhoria. Acredito que, mesmo em setores regulados, a possibilidade de se diferenciar está na inovação colocada a serviço do cliente. Temos diversos programas internos que promovem o empreendedorismo inovador dos nossos colaboradores por meio de uma plataforma colaborativa chamada E-nova, e um programa de P&D em que foram investidos R$ 25,7 milhões em 2017, em projetos e iniciativas com diversos parceiros da academia, da indústria e de startups.  Na área de TI, por exemplo, temos um centro de desenvolvimento de soluções próprias com cerca de 122 profissionais, próprios e terceiros. Muitos sistemas que usamos na operação foram desenvolvidos internamente, fruto de investimentos que realizamos em desenvolvimento de software ao longo dos anos. Talvez sejamos a única empresa do setor elétrico no país que tenha adotado este caminho, o que tem dado muito certo.

Como o senhor vê a ligação do setor de energia com startups?

Acredito que temos muito a aprender e a nos beneficiar com parcerias com startups. O setor elétrico vem passando por inúmeras transformações, com um ritmo de mudança muito intenso. Na minha visão, teremos um setor completamente diferente nos próximos cinco anos.

As macrotendências de descarbonização (geração de energia por fontes renováveis e eletrificação do transporte), a descentralização (geração de energia pelos consumidores) e a digitalização (uso de dados e algoritmos com maior poder analítico) irão mudar a dinâmica do setor e tem levado as empresas tradicionais do setor a pensarem, cada vez mais, em soluções novas e diferenciadas, além de buscarem uma aproximação com inovadores e startups.

Recentemente o senhor esteve em Israel participando da “Imersão em Inovação e Tecnologia”, organizada pela Câmara Brasil-Israel. Esta foi sua primeira viagem a Israel? Como foi essa experiência?

Gostei muito da experiência e foi a minha primeira visita àquele país. A Câmara Brasil-Israel, por meio de seus dirigentes, organizou a Missão de forma impecável. A escolha e o acesso às empresas, autoridades e aos centros de pesquisas foi excepcional. O grupo de executivos, investidores e conselheiros que se juntaram à Missão foi outro aspecto motivador.

Graças à troca de experiências e interações, pude aprender muito e fiz boas amizades. Fiquei muito satisfeito em descobrir o que faz Israel ser reconhecido hoje como a “Startup Nation”.

Que tipo de abordagem sugere para levar aos empresários brasileiros toda a experiência de inovação criada em Israel com a qual teve a oportunidade de vivenciar?

Já estive no Vale do Silício e em outros polos de inovação do mundo. O que me impressionou positivamente em Israel é que as empresas de tecnologia já representam uma parcela significativa do PIB do país e que grande parte – se não a totalidade – desta produção é destinada à exportação.

O Brasil não é um mercado preferencial para os esforços de venda e parceria em desenvolvimento de produtos das startups de Israel. Vejo aqui uma grande oportunidade para as empresas brasileiras e israelenses interessadas em fazer a diferença no mundo. Somos um mercado importante para Israel e podemos expandir negócios com muito menos esforço e competição do que os mercados em que as startup israelenses tradicionalmente buscam, como EUA e Europa.

Em Israel a figura do empreendedor é muito forte. Como o senhor vê o empreendedorismo no Brasil?

O Brasil ainda não cultua o empreendedorismo do tipo que desenvolve uma nova ideia ou produto. Existem inúmeros empreendedores no Brasil — na verdade, em grande parte, empreendem como meio de sobrevivência, vivem na informalidade e atuam em segmentos que geram pouco valor agregado. Aqui tudo é muito difícil para o empreendedor. Os impostos e a burocracia são sufocantes para aqueles que ousam. Sem falar do estigma pesado de quem fracassa, que não é bem visto em nossa sociedade.

Em Israel, há um importante alinhamento cultural na sociedade em relação aos aspectos de risco e recompensa, e os empreendedores têm no Estado um agente que facilita o surgimento de milhares de empreendimentos por meio dos recursos disponibilizados pela Autoridade de Inovação e pelo Ministério da Defesa. O ecossistema é muito ágil e não há carência de capital de risco, que flui de toda parte do mundo

Como podemos aproveitar os recursos e informações que Israel tem a oferecer?

Na minha opinião conhecendo mais o que existe e interagindo com os empreendedores. Neste ponto acho que a Câmara pode ajudar bastante com seus contatos, eventos e suas Missões de Negócios.

Qual seu conselho para as empresas e empreendedores nesse momento de crise?

Para sobreviver em momentos de crise devemos nos diferenciar pela oferta de produtos e serviços que geram valor para os nossos clientes. Sejamos relevantes para eles, neste caso não deixe de investir na qualidade e diferenciação inovadora. Cuidar do caixa e da saúde financeira com muita disciplina. E não menos importante, cuidando das pessoas, mantenha um time coeso e unido na adversidade, pois ela não dura para sempre, e sairemos mais fortes com a união e trabalho em equipe.

 Algo que gostaria de acrescentar?

Eu agradeço a oportunidade de falar neste espaço e fico a disposição na Energisa para os assuntos relacionados a energia elétrica e inovação. Shalom!