EMPRESA ISRAELENSE QUER DEMOCRATIZAR O INVESTIMENTO NAS PRÓXIMAS GIGANTES DA TECNOLOGIA

O fundo OurCrowd aposta no conceito de ‘equity crowdfunding’ para que pessoas comuns possam entrar ainda no começo das startups de tecnologia, algo antes reservado apenas aos grandes investidores

Jonathan Medved, CEO da OurCrowd Foto: HERSCHEL GUTMAN / OurCrowd

Apesar do crescimento gigantesco de empresas de startup, que vão a público e ganham bilhões de dólares em seus IPOs, o mercado do investimento de tecnologia é bastante fechado. São poucos os investidores que têm condição de adquirir ações das startups tecnológicas enquanto elas ainda crescem. Isso precisa acabar, ao menos para Jonathan Medved, CEO da OurCrowd. Ele comanda a maior empresa de equity crowdfunding de Israel, que permite a pessoas com pouco capital entrarem em cartelas de investimento anteriormente exclusivas aos grandes investidores.

De visita ao Brasil para o OurCrowd Sync em São Paulo, um congresso promovido por sua empresa, Medved falou com ÉPOCA sobre o futuro do investimento financeiro na tecnologia, a inovação de Israel para se tornar uma das nações mais inovadoras do mundo e o que o futuro aguarda para os investimentos de risco na América Latina.

O que é equity crowdfunding?

O equity crowdfunding, basicamente, reúne fundos de investidores individuais para que sejam investidos em uma empresa em troca de equidade. É pegar a ideia do financiamento coletivo, que foi disruptiva em tantas áreas, e aplicá-la nas finanças. Isso é importante, pois antigamente, se você quisesse ganhar dinheiro investindo em tecnologia, você compraria ações da Apple ou da Amazon em um IPO e as venderia décadas depois com retorno de milhares de vezes. Hoje as empresas esperam tanto antes de se tornarem públicas que você precisa investir logo no início para sequer cogitar um retorno dessa dimensão. Mas elas são controladas por um grupo seleto de fundos de investimento que deixam o grande público de fora. Por isso criamos OurCrowd, que investe em startups promissoras e permite que investidores individuais tenham chance de participar. Nós oferecemos a possibilidade de se envolver mais cedo, antes que as empresas se tornem públicas. E isso é importante no mercado de hoje, principalmente para aqueles que querem investir em Israel, a nação das startups.

Por que isso seria atrativo para um investidor brasileiro?

Eles podem ter acesso a oportunidades de startup que eles não teriam de outra maneira. Você não pode simplesmente ligar para o corretor e dizer “Me compre uma startup de Israel”. Não funciona assim. Eles podem te oferecer uma empresa listada publicamente, mas não uma startup. Nós podemos. E por sermos uma plataforma digital, qualquer investidor creditado do mundo pode ter acesso a essas oportunidades. É simples assim. Ainda que o mercado brasileiro esteja se desenvolvendo a passos largos, as oportunidades de investimento ainda são limitadas se comparadas aos centros de inovação no Vale do Silício e Israel. Mas como já vimos com tantas outras áreas, a internet não tem fronteiras. Então pessoas podem vir ao nosso site, e escolher investir em empresas israelenses ou americanas. Nós temos unicórnios israelenses como a Lemonade, a empresa de insuretech de ponta que investimos com a Sequoia e Softbank, e unicórnios americanos como o incrível Beyond Meat, que recentemente foi a público e havíamos investido com Bill Gates. Temos até um chinês, Klook, que é uma empresa de viagem de ponta em que a OurCrowd investiou ao lado da Goldman Sachs, Sequoia e Softbank.

Por que não investir diretamente em um fundo dedicado a startups?

Se você está falando fundos de investimento tradicionais, eles podem botar uma barreira de entrada alta demais para a maioria da população. Outras empresas costumam cobrar cheques de milhões de dólares [normalmente US$ 5 milhões de investimento mínimo]. Em nossa plataforma, até com US$ 10 mil você terá a possibilidade de investir em acordos onde mega-investidores como Bill Gates também estão. Ou, por US$ 50 mil de investimento, você pode investir em um portfólio de startups através de um dos nossos fundos. Na verdade, nós deixamos que cada pessoa escolha as empresas e, portanto, monte seu próprio portfólio: você pode escolher uma empresa como a Zebra Medical, que usa análises de inteligência artificial para imagens radiológicas; Skytran que está desenvolvendo a próxima geração de carros voadores; ou no colhedor de frutas automático da Tevel Aerobotics Technologies. Mas, se você não quiser investir em empresas específicas, nós temos 19 fundos distintos que oferecem um portfólio já pronto, por setor ou estágio, ou um portfólio feito por profissionais, que oferece diversidade de 15 a 25 empresas e, no caso do fundo OC50, até 50 empresas diferentes a partir de US$ 50 mil.

A indústria da tecnologia de Israel é considerada a segundo melhor do mundo, atrás apenas do Vale do Silício, o que a torna um mercado muito atraente para investidores. Quão lucrativa pode ser uma plataforma de crowdfunding em Israel vis-à-vis o mercado brasileiro?

De novo, nossa abordagem provê acesso que o investidor médio não teria de outra maneira. Nós vemos milhares de acordos em potencial por ano — de Israel e outras partes do mundo — e então escolhemos com muito cuidado os que colocamos na nossa plataforma. O que é incrível é como só investimos em cerca de 2% das oportunidades que investigamos, e ainda assim somos os mais ativos investidores de risco em Israel. Mas não basta fazer o investimento inicial. Empresas privadas não são obrigadas a fazer relatórios, então você precisa de alguém para tomar conta do seu investimento, representar seus interesses e guiar e trazer valor à empresa. É isso que fazemos em OurCrowd. Fomos capazes de conseguir US$ 1 bilhão de compromissos de investimentos pelo mundo.

Acho que isso é importante para investidores da América Latina, que são antenados e estão em busca de colocar seu dinheiro para trabalhar em um centro de inovação como Israel. Fazemos essa grande conferência todos os anos, chamada de OurCrowd Global Investor Summit , o maior evento de equity crowdfunding do mundo e o maior evento de negócios da história de Israel. Mais de 18 mil pessoas de todo o mundo se registraram para participar! Muitos deles eram investidores brasileiros que estavam sedentos para saber mais sobre a tecnologia e a nação startup. A América Latina se tornou uma região tão importante para nós que estamos produzindo o nosso primeiro grande evento regional, chamado OurCrowdSync , em São Paulo no dia 25 de setembro. É uma espécie de mini-conferência, com keynotes, paradas e demonstrações de tecnologia. Estamos muito animados com isso.

O senhor já foi citado ao dizer que parte do seu trabalho é apoiar a causa pró-Israel. Investir com a sua empresa significa apoiar as medidas do atual primeiro-ministro israelense?

Não nos misturamos com política, nem apoiamos um grupo específico de reformas ou políticos. Contudo, nós somos bastante orgulhosos de sermos parte de Israel como um país, do ecossistema de alta tecnologia e a noção linda nação startup. Uma das coisas que o livro “Startup Nation” disse sobre mim é que minha equipe costumava reclamar que eu estava vendendo Israel e não a minha empresa nas minhas apresentações pelo mundo. E eles ainda reclamam disso! Mas apoiar um país não significa que você apoia tudo que o governo faz. Essa é a beleza da democracia. Eu tendo a ficar longe da política, já tenho o suficiente para fazer com os investimentos e sinto que é melhor deixar esse assunto com outras pessoas pois está acima da minha categoria.

Há dezenas de milhares de pessoas que interagem com a OurCrowd e vêm à nossa conferência anual e dezenas de delegações internacionais que querem saber do fenômeno israelense no geral, da inovação, a atitude e a criação de algo onde antes não havia nada. Eles não se metem com a política e nem nós. Esses investidores — da China, da Dinamarca, dos Estados Unidos, do Reino Unido e Brasil — querem fazer bons investimentos, ajudar a solucionar problemas globais e estabelecer laços duradouros com Israel, que irão durar muitas décadas, muito mais do que os muitos, muitos políticos que vêm e vão.

Ainda que o governo de Israel tenha sempre apoiado muito do setor de tecnologia, esse apoio existia antes desse ou daquele primeiro-ministro e continuará por muito tempo. Todos os partidos israelenses são defensores do nosso setor de tecnologia e é uma das poucas questões em que há consenso total em Israel.

O Brasil tem empresas dedicadas a enviar empreendedores digitais para visitas à China. Eles estão no caminho errado? Não deveriam ir a Israel ou aos EUA?

É bom visitar centros de alta tecnologia no mundo todo. Cada grande ecossistema de tecnologia tem seus desafios e soluções, e empreendedores podem aprender muito de cada um deles. A China mostra um notável crescimento econômico, um enorme mercado e grande intervenção estatal — todos temas que podem ser boas fontes de aprendizado para os empreendedores brasileiros e devem ser estudadas.

Os EUA e Israel ambos têm ecossistemas tecnológicos muito robustos, e há também muitos benefícios, desafios e oportunidade. O que eu diria é que espero que empreendedores locais, assim como investidores estratégicos visitem Israel, os EUA e a China também. Além do mais, eu quero entender melhor o enorme potencial no Brasil para investimentos de risco. Se trata de um continente com mais de 650 milhões de pessoas, sendo o Brasil sozinho o terceiro maior usuário do Facebook no mundo, e ano passado um bilhão e meio de dólares foram injetados em investimentos na América Latina. Há uma razão para se estar animado com a inovação na região, e a OurCrowd quer ser uma grande parte disso.

Quais são as lições que o Brasil deveria aprender com Israel para construir um ecossistema digital?

Há muitas lições a se aprender. Uma é que a cultura de tomada de risco é essencial para startups. Um relatório do Fórum Econômico Mundial disse que Israel tem a atitude mais positiva para os riscos do empreendedorismo. Há uma boa vontade quanto ao fracasso, e mais do que isso, a tentar outra vez depois de falhar. A realidade geopolítica da nossa região é um fator. Quando você se depara com riscos reais como os que Israel vive nessa vizinhança complicada, o risco de se fracassar com uma startup parece ínfimo. E com a realidade histórica de pouco dinheiro e recursos naturais limitados, você precisa ser muito engenhoso e eficiente com o dinheiro. Há uma longa tradição judaica de transformar maldições em bênçãos. Tudo isso se somou e gerou uma relação incomum entre os empreendedores, a sensação de que eles podem se apoiar e quase trabalharem juntos pelo bem comum do ecossistema e do país em si, ao invés de focarem apenas em seus próprios negócios. Veja, o ecossistema de Israel não é perfeito. Há muito a se fazer. Mas tenho muito orgulho do que conquistamos até o momento. E sou muito otimista quanto ao futuro.

Fonte: Época/Eduardo Salgado
21/09/2019