“O Brasil tem operadoras demais”.

O israelense Amos Genish, da GVT, está prestes a fechar o maior negócio da história da telefonia brasileira ao vender sua empresa por 22 bilhões de reais. Para ele, a onda de fusões tem de continuar.

O executivo israelense Amos Genish acumula feitos notáveis. Em 1999, sem falar uma palavra de português, mudou-se para o Brasil com o intuito de criar uma empresa de telefonia em parceria com o grupo paranaense Inepar. O sócio desistiu na última hora, mas Genish e seus parceiros israelenses mantiveram os planos e criaram a operadora de telefonia GVT.

De lá para cá, a GVT é um fenômeno: tem margem de 40%, bem acima da média de 25% do setor, e cresce num ritmo estonteante. Em 2007, a GVT abriu capital na bolsa. Dois anos depois, Genish arquitetou a venda da empresa ao grupo francês Vivendi por 7,7 bilhões de reais e continuou à frente da empresa.

Em junho, chegou a hora de a Vivendi vender a GVT. A espanhola Telefônica ganhou uma disputa com a Telecom Italia e o direito de negociar com exclusividade com a Vivendi. O preço? Três vezes mais do que o valor pago pelos franceses em 2009: 22 bilhões de reais. Será o maior investimento já feito por uma empresa estrangeira no país.

Genish, que continuará no cargo por tempo indefinido, falou a EXAME sobre as negociações para a venda da GVT e o futuro do mercado de telecomunicações no Brasil.

EXAME – A Vivendi pagou 7,7 bilhões de reais pela GVT há cinco anos. Por que a Telefônica está pagando o triplo?

Amos Genish – Na verdade, multiplicamos esse valor vá­rias vezes. Em 2007, quando a empresa abriu o capital, valia 2,2 bilhões de reais, e menos de três anos depois foi ven­dida por 7 bilhões. Todos reconhecem que a GVT é diferente das outras em­presas de telecomunicações. Temos uma cultura única, que funciona. Temos 3 milhões de clientes de banda lar­ga e 1 milhão de assinantes de TV.

Um dos executivos da Telefônica me disse em Paris que eles pegaram as projeções de 2009, quando já tinham tentado com­­prar a GVT, e compararam com os resultados hoje. Nós superamos as projeções de receita e geração de caixa. Temos receita de 5,4 bilhões de reais, estamos em 56 cidades do país. Acho que foi um bom negócio para a Telefônica.

EXAME – Por que a GVT foi vendida de novo?

Amos Genish – Eu e minha equipe concluímos agora que o ciclo da GVT independente no Brasil terminou. Em 2009, escolhemos a Vivendi para ter um parceiro forte lá fora, que nos ajudasse a competir com grandes grupos, como Telmex e Telefônica. Já estava claro que teríamos de entrar em telefonia celular, porque o futuro dos serviços é móvel.

Temos telefonia fixa, banda larga e TV por assinatura, mas nos faltava o celular. Só que a Vivendi passou por uma grande mudança. O novo presidente, Vincent Bolloré, decidiu sair de telecomunicações e centrar esforços em mídia. Eles mantiveram a GVT porque temos uma boa história e entregamos resultados.

Mas eu tinha a seguinte preocupação: nos próximos cinco anos precisaríamos investir muito na expansão da rede de fibra óptica e para entrar em telefonia celular. E eu não teria o apoio da Vivendi para isso. Teríamos de investir bem mais do que os 2 bilhões de reais anuais de hoje. Só a licença para entrar no 4G, por exemplo, custa 3 bilhões de reais.

Depois, para construir a infraestrutura, seriam outros 3 bilhões no mínimo. Eu respeito a estratégia da Vivendi. Mas disse a eles que este era o momento de nos deixar encontrar outro parceiro, para nos assegurar a capacidade de competir.

EXAME – E como as negociações começaram?

Amos Genish – Começou em um jantar que tive com Marco Patuano, presidente da Telecom Italia, em maio, no Rio de Janeiro. Um amigo em comum nos apresentou, jantamos, e foi ótimo. Ficou claro que as companhias precisavam uma da outra. Eles precisavam da nossa telefonia fixa, TV e banda larga, e nós precisávamos ter uma presença em celular.

Nos encontramos novamente em junho, avisei o Vincent (Bolloré, presidente da Vivendi) da negociação e ele me deu o sinal verde. Aí começamos a discutir como seria o modelo de negócios. Logo a Telefônica se interessou. Os espanhóis decidiram rapidamente fazer uma oferta pública, de 5,7 bilhões de euros, no dia 5 de agosto. Até 4 de setembro tínhamos de levar ao conselho uma conclusão.

Acho que foi bom a Vivendi deixar a GVT liderar o processo, o que não é nada comum. Foram algumas semanas dramáticas entre São Paulo e Paris. E o que eles publicaram na época é verdade: até a reunião do conselho da Vivendi, em 28 de agosto, a decisão de vender a GVT ainda não havia sido tomada. Fomos nós que contratamos os bancos Credit Suisse e Goldman Sachs e pedimos para ser vendidos.

Telefônica Vivo

EXAME – E por que a Telefônica foi escolhida?

Amos Genish – A proposta tinha uma parcela bem maior em dinheiro. Além disso, a oferta da Telecom Italia faria com que a Vivendi continuasse acionista de uma empresa de telefonia no Brasil, o que eles não queriam.

E a Telefônica ofereceu uma parceria muito atraente em mídia. Eles têm 300 milhões de clientes para distribuir o conteúdo que a Vivendi produz. A proposta da Telecom Italia, para resumir, era menos concreta e eles tinham menos clientes.

EXAME – A GVT vai ser engolida e sumir?

Amos Genish – A GVT e a Telefônica têm culturas muito diferentes. Desde as primeiras conversas, eu disse várias vezes que seria uma burrice comprar a GVT e destruir essa cultura única, baseada em desempenho. Eles querem preservar isso, já disseram que pretendem manter a companhia independente por um período ainda não definido.

Eu espero, e acredito, que a Telefônica manterá essa intenção depois de concluído o negócio. Mas, claro, ela tem de capturar sinergias. No nosso caso não será cortando gente e integrando, mas haverá sinergias em investimentos, na capacidade de vender vários produtos ao mesmo tempo. A necessidade de investir cai.

Também podemos conseguir maiores descontos no custo de programação na TV por assinatura, segmento em que cada um tem pouco menos de 1 milhão de clientes. Os maiores descontos na negociação com a Globo e a HBO são para redes que têm mais de 2  milhões de clientes.

EXAME – Agora já se fala que a TIM pode ser fatiada e vendida…

Amos Genish – A Telecom Italia insiste que a TIM não está à venda. Mas a GVT era a única possibilidade de eles se associarem a um operador fixo nacional, e a situa­ção ficou mais desafiadora. Atualmente, os três grupos — Telefônica, Telmex e Oi — oferecem todos os serviços ao consumidor.

Quem está fora desses grupos, como TIM, DirecTV e Nextel, terá de repensar a estratégia no Brasil. Em celulares, há gente demais. Não existe espaço para cinco empresas no mercado brasileiro. O que poderia provocar uma grande mudança seria a entrada de uma grande empresa que não esteja no Brasil, como a AT&T ou a Vodafone.

EXAME – Fusões são inevitáveis nesse setor?

Amos Genish – Sim. As margens das operadoras desabaram nos últimos dez anos em todo o mundo e também no Brasil. A receita por usuário está caindo, as empresas não conseguem aumentar os preços. Os consumidores falam muito menos e usam outras opções, como mensagens de texto, WhatsApp ou e-mail. Só que a voz ainda é uma fonte de receita importante.

Os preços também estão caindo nos serviços de internet por banda larga. O único jeito de compensar isso é ganhar escala. Hoje, em telecomunicações, só ganha dinheiro quem é bom gestor e se adapta rapidamente às mudanças tecnológicas. Na telefonia celular, já se fala em 5G no Japão e a velocidade de banda larga passou de 1 para 35 megabytes. Isso exige muito investimento.

Então pode ser um péssimo negócio, se você se atrasa ou investe errado. Hoje não dá mais para competir atuando em apenas uma área, é preciso ter voz, banda larga, TV e celular e vender pacotes completos para o consumidor. O Brasil ainda verá muita consolidação.

Fonte: Exame.